Amor Funâmbulo (1)
<< (...) O teu arame, carrega-o com o gesto mais belo que nem teu será mas dele próprio. Os teus impulsos, os teus saltos, as tuas danças - no calão dos acrobata fliqueflaques, reverências, saltos mortais, rodas, etc, fá-los bem e nunca para teu brilho pessoal mas que o arame de aço, já morto e sem voz, volte a cantar. Que agradecido fica se fores na atitude perfeito, e não por ti mas glória sua. E encantado, o público, dê palmas: - Que espantoso arame! Como suporta bem o bailarino e o ama! Por sua vez, o arame faz de ti o melhor dos bailarinos. No chão, sim, é que tropeças. (...) Vou tentar explicar-me melhor. Para adquirir a solidão absoluta de que necessita para realizar sua obra – extraída de um nada que vai ao mesmo tempo preencher e tornar sensível – o poeta pode abandonar-se a uma postura que será a mais perigosa para ele. Com crueldade, afasta os curiosos, os amigos, as súplicas que tentariam voltar sua obra para o mundo. Se quiser, pode fazê-lo assim: ao seu redor, deixar um cheiro tão nauseabundo que ele próprio fica meio asfixiado por ele. Evitam-no. Fica só. Sua aparente maldição vai lhe permitir todas as audácias já que nenhum olhar o perturba. Ei-lo que se movimenta num elemento que se assemelha à morte, o deserto. Sua palavra não provoca nenhum eco. O que deve anunciar ou não se dirigir a ninguém, ao não ter que ser entendido pelo que está vivo, é uma necessidade que não é importada pela vida, mas pela morte que é quem o ordena. Já te falei que só atingirás a solidão em presença do público: é necessário, pois, que o faça de outro modo e que recorras a outro método. Artificialmente: por um esforço de vontades, deverias fazer entrar em ti essa insensibilidade em relação ao mundo. À medida que suas ondas crescem (como o frio, começando pelos pés, subindo para as pernas, os músculos, o ventre de Sócrates), o frio se apodera de teu coração e gela-o. Não, não, mais uma vez, não, não vens para divertir o público, mas para fasciná-lo. Confessa que experimentarias uma curiosa impressão – seria o estupor, o pânico – se conseguisses distinguir, claramente, essa noite, um cadáver caminhando sobre o arame. (…)>>
Jean Genet (1910-1986)
ANO DA FRANÇA NO BRASIL | ||
O FUNÂMBULO SESC Avenida Paulista | ||
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Apresentando um texto de Jean Genet inédito no Brasil, o espetáculo trata da arte do equilibrista: seu amor ao arame, sua devoção à Arte, sua obstinação no treinamento, sua solidão incomparável e seu roçar a morte. Direção de Joaquim Goulart. Cenografia de Daniela Thomas. Interpretação solo de João Paulo Lorenzon.
(1) O Funambulo é o artista que anda sobre um arame ou uma corda suspensos a grande altura, normalmente em espectáculo circense; equilibrista.
Caro Rupestre Equilibrista
ResponderExcluirFunambulos somos todos, com a diferença que, chegará inevitavelmente o dia, em que cairemos da corda bamba:-)
um ab
Edu